O presidente nacional do PSDB, Sergio Guerra, soltou na semana passada uma nota se dizendo “assustado” com a greve de professores das universidades federais, tentando usar o movimento para atacar o ex-ministro Fernando Haddad, pré-candidato à Prefeitura de São Paulo. Dá o que pensar: ou a transformação pela qual o país passou nos últimos 10 anos – inclusive no modo de lidar com o funcionalismo público – tornou os tucanos muito mais impressionáveis; ou eles confiam tanto na má qualidade da educação estadual em São Paulo que acham que a História pode ser varrida para debaixo do tapete.
Em primeiro lugar, cabe reafirmar que os professores têm o direito de lutar por melhores condições salariais, de carreira e de trabalho e que esta luta, histórica, é fundamental para a educação de qualidade no país. Não se trata de concordar ou não com as reivindicações dos grevistas, mas de respeito às garantias democráticas. Obviamente, a greve mostra um desacordo entre o governo federal e a categoria. Mas o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, tem afirmado que a saída será negociada e que há o compromisso em melhorar a carreira docente.
Essa diferença é central. Em 2001, houve uma greve dos professores das universidades federais. Se Guerra está assustado agora, deve ter ficado apavorado então. Foram mais de cem dias de paralisação da quase totalidade das instituições. A resposta do governo, na época, foi passar um trator por cima do movimento, não pagando os salários dos professores para esvaziar a greve e forçar os grevistas a aceitarem as condições do governo. Tanto o salário de setembro como o de outubro daquele ano só foram liberados após decisão judicial. Paulo Renato, ministro da Educação dos tristes anos FHC, chegou a entrar com um habeas corpus contra a ameaça de prisão por descumprir a decisão de pagar os professores.
Com a saída dos tucanos do governo federal, muita coisa mudou – e Fernando Haddad foi um dos responsáveis por essa transformação. O que o presidente do PSDB chama de “herança maldita” foi o investimento inédito no ensino superior. O número de estudantes que ingressaram em uma universidade federal mais que dobrou: passou de 148,8 mil em 2002 para 302,3 mil em 2010. Foram implantadas 14 novas universidades federais – de 45 em 2002 para 59 em 2010 – e mais de 100 novos campi em todo o país. Os objetivos do programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) incluem também o combate à evasão e inovações pedagógicas.
Mais do isso, o governo Lula implementou uma política de democratização do acesso ao ensino superior. Isso foi feito a partir de políticas como o ENEM e as cotas. O Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) unifica o processo (ou parte do processo) seletivo das universidades, em um modelo muito mais adequado à nossa realidade que o vestibular tradicional. O ENEM exige menos que se decore conteúdos e mais o entendimento e o raciocínio dos jovens. Não por outro motivo, foi alvo de uma campanha violenta da direita e de parte da imprensa.
A política de cotas é outra que deve assustar o presidente tucano. O Ministério da Educação dá autonomia para as instituições definirem se e como aplicá-la. Cerca de 40% das universidades federais (25, em números absolutos) possuem mecanismos de ação afirmativa, com reserva de vagas para negros e/ou indígenas e ao todo 36 possuem algum tipo de cota, incluindo raciais e outras, como para egressos do sistema público. O DEM – tradicional aliado do PSDB – foi recentemente derrotado no Supremo Tribunal Federal. O partido, ignorando os resultados do ingresso dos cotistas nas universidades, com desempenho similar ou superior aos outros alunos, alegava que a reserva implementada na Universidade de Brasília em 2004 era inconstitucional. Os ministros decidiram unanimemente pelo contrário. Isso deu força para um movimento pela ampliação das cotas. Quiçá chegarão às instituições com gestão tucana, como a USP e a Unicamp.
A “herança maldita” a que Sergio Guerra se refere só pode ser esta: ensino superior público, gratuito, de qualidade – mesmo que ainda falte o que caminhar rumo ao sistema que o Brasil precisa e merece. Quando os tucanos estiveram na presidência, defendiam que não era possível manter o ensino gratuito – em 2001, o então ministro Paulo Renato dizia que esse sistema duraria no máximo por mais cinco ou seis anos. A política do governo federal nos últimos dez anos também evidencia as diferenças de modelo com o governo estadual de São Paulo, que coloca a Polícia Militar dentro da USP, ao mesmo tempo que força a comunidade para fora da universidade.
Por fim, em ano de eleições municipais, cabe pensar nas etapas pelas quais o estudante passa até chegar (se chegar) à universidade. O ensino fundamental e médio municipal e estadual em São Paulo foram sucateados. No município, há falta de professores e, no fim do primeiro semestre, 20% dos alunos ainda não receberam o uniforme escolar. Os professores da rede municipal fizeram este ano uma greve reivindicando, entre outras coisas, redução do número de alunos por sala de aula e mais concursos. O movimento, porém, terminou de forma pouco democrática e transparente – o presidente do Sindicato dos Profissionais em Educação no Ensino Municipal em São Paulo, Claudio Fonseca, finalizou a paralisação em uma assembleia dividida, sem atender às solicitações de realizar uma segunda votação. Ele é filiado ao PPS, partido aliado aos tucanos e ao prefeito Gilberto Kassab.
O debate sobre educação é fundamental e muito bem-vindo. Mas deve ser feito sobre bases verdadeiras e honestas, e não com oportunismo. (Gabriel Medina é psicólogo, militante do PT e presidente do Conselho Nacional de Juventude)
Nenhum comentário:
Postar um comentário