Antes do presente século, duas anomalias estruturais coexistiram no agrário brasileiro, entre tantas outras: a brutal concentração da terra e a fortíssima exclusão, das políticas públicas, dos segmentos produtivos de origem camponesa.
Desde o início do presente século, na melhor das hipóteses foi mantido o grau de concentração da terra. Contudo, a partir do primeiro governo do Presidente Lula, foi executada política importante de inclusão, nos instrumentos oficiais de fomento produtivo, de parcela importante do universo de agricultores familiares e comunidades tradicionais.
A rigor, essa política deu amplitude e consistência aos ensaios deflagrados pelo governo FHC com a criação do Pronaf. Desde a origem, o alvo estratégico das referidas ações converge para o esforço de enquadramento dos agricultores familiares nos paradigmas de “eficiência produtivista”.
As estratégias do Banco Mundial para as áreas rurais da América Latina durante a década de 1990 de hegemonia do pensamento neoliberal exerceram forte influência nessas definições no Brasil. Sem esquecer que o avanço observado na ‘reforma agrária de mercado’, à época, restringem até os dias presentes a efetividade do instituto da desapropriação punitiva do latifúndio improdutivo.
Essa direção política para a agricultura familiar adquiriu status estratégico na gestão de Mangabeira Unger à frente da SAE/PR. Na ocasião, o projeto desenhado para o futuro do Brasil considerou o fortalecimento do agronegócio como um dos seus pilares fundamentais. Para tanto, entre outras ações, foi definido o imperativo de se proceder à “transição” da agricultura familiar. Por suposto, transição sob a ótica produtivista para o mercado.
Para dar materialidade a esse ‘projeto modernizante’, sob os paradigmas acima, o crédito e, associadamente, a assistência técnica, foram, e continuam sendo, os principais veículos para a replicagem da matriz tecnológica da ‘revolução verde’ na economia agrícola de base familiar.
Sem dúvidas, ocorreram diferenças políticas entre os governos FHC e Lula no processo de exposição dos agricultores familiares ao mercado. Claro que no contexto de uma economia capitalista, não seria razoável pretender o isolamento da economia camponesa do mercado.
Mas, desde uma abordagem que pelo menos tangencie a noção com a qual nos alinhamos da autonomia relativa dos camponeses, o que implicaria, pelo lado do Estado, em ações, por exemplo, de proteção desse público ao fenômeno de diferenciação social preconizado pela teoria marxista, verificamos que:
a) No governo FHC, ainda num estágio do crédito em pequena escala, por conta não apenas das prioridades políticas de governo, mas em função, também, das restrições das finanças públicas, mencionada estratégia visou articular a plenitude do vínculo dos pequenos agricultores com o mercado, sem contrapesos por parte do Estado;
b) No período Lula, houve a ampliação significativa dos recursos para o crédito, e a diversificação dos instrumentos de estímulos produtivos convencionais, o que acelerou a massificação da estratégia em consideração. Todavia, ao mesmo tempo, ocorreu o desenvolvimento de mercados institucionais e de instrumentos especiais de sustentação de preços e renda (extensivos aos produtos do agroextrativismo), que passaram a funcionar como refúgios ou mitigadores dos impactos do mercado lato sensu para os segmentos mais fragilizados da agricultura familiar.
Essa maior cautela do governo Lula com o choque do mercado sobre setores camponeses mais frágeis expressou a sua maior sensibilidade com as circunstâncias políticas desses trabalhadores. Contudo, não abalou os propósitos de última instância do projeto de modernização, qual seja, de junto com a disseminação da base técnica intensiva em capital e energia, apostar nos efeitos do mercado como via de seleção dos camponeses habilitados à sobrevivência econômica nesse ambiente.
No que concerne aos objetivos do “produtivismo”, ou seja, da generalização e intensificação do emprego da matriz tecnológica produtivista pela agricultura familiar, houve plena convergência das ações de ambos os governos. Isto, exceções de praxe, sem a crítica pelas entidades representativas desses trabalhadores sobre a qualidade das transformações políticas, em curso, induzidas pelos bilhões de Reais disponibilizados. Compreensível, pelas circunstâncias, interessava, e prossegue interessando, os bilhões de Reais do crédito e o sentimento de ‘conquista’ pelas políticas específicas, finalmente ofertadas.
Assim, teve curso o processo de ‘modernização’ da atividade produtiva da grande fração dos agricultores familiares, ainda não integrados, sob a base tecnológica que orientou a modernização da grande exploração agrícola a partir dos anos de 1970. (Gerson Teixeira é Assessor Parlamentar - lotado do Gabinete do Deputado Beto Faro)
Nenhum comentário:
Postar um comentário