Quando veio ao mundo no lugarejo de Juçarateua – município de Vigia –, Mercedes da Paixão abriria os olhos e enxergaria um país diferente. O calendário marcava 13 de março de 1932, há pouco mais de duas semanas o então presidente da república, Getúlio Vargas, assinara o Código Eleitoral Provisório que liberava o voto feminino. Dali a 18 anos dona Mercedes repetiria uma ação reproduzida até hoje. Com o título eleitoral nas mãos, iria às urnas escolher seus representantes.
A decisão tomada distante, no estado do Rio de Janeiro, atingiu todo o país. Separada por mais de três mil quilômetros da antiga capital brasileira, a octogenária paraense ganhou a oportunidade de tecer para si uma história eleitoral diferente da vivida por quem a pôs no mundo. “Minha mãe não votava. A gente tinha que sair de casa até Vigia [sede do município] para votar, e para quem tinha filho para cuidar era difícil. Quem votava era mais as mulheres jovens”, esforça-se em recordar dona Mercedes, que garante sempre escolher por conta própria seus candidatos. “A escolha sempre foi por minha conta mesmo. Hoje, a gente assiste televisão e conversa em casa e assim vai escolhendo. Mulher não é diferente de homem, é muito importante a gente poder votar. É uma conquista muito grande”, empodera-se a experiente eleitora.
Para a jovem Camila Barisão, nascida mais de seis décadas depois do direito adquirido, a participação eleitoral feminina jamais foi estranha. Longe da realidade dos anos 30, a estudante tem acesso à boa educação e à oportunidade de hoje, aos 16 anos, escolher o candidato – ou candidata - de sua preferência. “Eu estou pesquisando o melhor candidato. Procuro saber de onde vem, no que acredita e o que já fez no passado. É uma forma de minimizar o erro”, explica com perspicácia.
Com o direito assegurado no passado, Camila lamenta o desinteresse político que, para ela, é mais específico à idade que ao gênero nos dias atuais. “A gente não vê interesse da juventude com a questão das cidades, da miséria, da fome. Penso que isso acontece porque a gente não precisou lutar por nada. Quando chegamos já tínhamos o direito”, avalia a jovem com firmeza na voz. “Não vivi, por exemplo, a ditadura [militar]. Mas a minha família, sim e lutou contra, para hoje eu ter o direito de participar da política. Não posso simplesmente ignorar o passado. Por isso, temos que aproveitar. É uma pena que a maioria das pessoas da minha idade só esteja preocupada em atualizar um status nas redes sociais”, critica.
Sem a experiência de dona Mercedes nem a vivacidade da jovem Camila, a autônoma Ana Cleia da Silva, 31 anos, representa a face de uma terceira mulher. Solteira, sem filhos – nem desejo pela maternidade -, Ana ganha a vida vendendo café da manhã nas proximidades do terminal rodoviário de Belém e, obediente à lei, a cada dois anos participa do processo eleitoral com um desejo constante. “A minha vontade mesmo era que eles [os políticos] fossem homens de palavra e cumprissem com o que prometem. Todo ano é a mesma coisa, tudo fica só na promessa”, diz, mostrando-se cética, Ana Cleia, que com a pequena reserva de esperança que sobrou diz ainda acreditar no poder das mulheres para a mudança dos rumos da política brasileira. “Dizem que os direitos são iguais, mas não são. A igualdade fica só no papel. Quando isso mudar vai ser melhor, as mulheres ocupando o poder o Brasil melhora porque nós somos muito mais honestas que os homens na política”, polemiza a autônoma enquanto serve café com leite a um freguês nitidamente contrariado. (Diário do Pará)
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